Batuíra, uma vida no Espiritismo.

Em mais uma contribuição de nosso companheiro FÁBIO FADEL, temos agora a biografia/perfil de mais um "Vulto do Espiritismo". Desta vez, a história de Batuíra.
 
ANTÔNIO GONÇALVES DA SILVA (Batuíra) -  Nasceu na Freguesia das Águas Santas, em Portugal, em 19 de março de 1839, filho de camponeses.  Com 11 anos de idade, após concluir o curso primário, sua família veio para o Brasil, morando, inicialmente, por três anos, no Rio de Janeiro; depois mudou para a cidade de Campinas e, mais tarde, foi definitivamente para São Paulo.  Na capital paulista Antônio passou a trabalhar como distribuidor do jornal "Correio Paulista". Nesta época a cidade de São Paulo tinha cerca de 30 mil habitantes e os jornais eram entregues no período da tarde, precisando ser distribuídos rapidamente, o que levou o povo a apelidá-lo de BATUIRA, nome popular de ave muito ligeira, que habitava a várzea do rio Tamanduateí, onde hoje localiza-se o Parque D. Pedro II. Esse pseudônimo, BATUIRA, foi posteriormente incorporado ao seu nome. Pessoa simples e trabalhadora, de hábitos modestos, conseguiu juntar algumas economias que lhe possibilitou iniciar uma fabricação de charutos, conseguindo recursos financeiros suficientes para aquisição de terrenos no Lavapés, onde hoje localiza-se a Várzea do Glicério - bairro do Cambuci, construindo aí sua residência e uma rua particular com algumas casas de aluguel. Essa rua particular atualmente é denominada de Rua Espírita, Travessa da Rua Lavapés - no chamado Centro Velho da cidade de São Paulo.

 
Amor ao próximo -   Foi abolicionista, escrevia para os jornais O Diabo coxo, O Cabrião, O Ipiranga entre outros que defendiam os diretos de liberdade de todas as pessoas. Em 1873, um grave surto variólico em São Paulo, essa doença infecciosa aguda caracteriza-se por febre alta, erupções, bolhas e pústulas que deixam cicatrizes. É altamente contagiosa, mas nem por isso afastou Batuíra de engajar-se entre os voluntários que tratavam os atingidos, não descuidando um minuto sequer do atendimento às vítimas abrigando-as em sua própria casa e servindo-lhes de médico, enfermeiro e amigo. Sua atitude fraterna rendeu-lhe muitos elogios e sua figura ficou conhecido por toda cidade.

 
A conversão -   Batuíra era um Espírito irrequieto por natureza, forças estranhas agitavam-se dentro do seu ser esperando um momento propício para desabrochar. Apesar dos seus rasgos de generosidade humana no episódio dos escravos, no atendimento à população atingida pela varíola ou sua tendência de estar sempre ao lado dos desvalidos, ele sentia-se desconfortável ansioso para completar sua vida com ações que viessem a preencher o vazio que carregava. Estava a iniciar a madureza da vida – pensava ele – com energia plena, boa saúde, vida estável e abastada mas algo lhe dizia interiormente que era necessário dar um novo impulso a sua vida. Se tudo lhe parecia calmo em sua sólida estrutura familiar, os desígnios divinos reservado um caminho duro da provação humana para chamar-lhe a vida aos rumos que ele mesmo havia escolhido antes de reencarnar.

 
As leis planetárias não afetam apenas os Espíritos em aprendizado, mas atingem também aos missionários comprometidos com a evolução da humanidade. Dessa forma, o sofrimento foi buscar o Espirito de Batuíra ao subtrair a vida física do seu filho Joaquim Gonçalves Batuíra.

 
Filho da segunda esposa, Maria das Dores Coutinho e Silva, nasceu em São Paulo a 15 de maio de 1871 e desencarnou também na capital em 23 de maio de 1883, com doze anos completos vítima de tétano provocado por um prosaico espinho de roseira. A desencarnação foi repentina e causou muita comoção na família, principalmente para o pai.

 
O velório aconteceu na ampla sala de sua casa na futura Rua Espírita, até então conhecida como Beco dos Lavapés. No ar, consternação geral. Os muitos amigos de Batuíra ali se reuniam para o necessário apoio ao pai. Por vezes, choros convulsivos irrompiam aqui e ali, pessoas rezando seus terços pelos cantos da sala, o movimento aumentava ao se aproximar o momento do cortejo fúnebre. Seguindo os costumes da época, as mulheres vestiam luto fechado, os homens alinhavam-se em seus ternos pretos, os espelhos eram tapados por panos e as carpideiras completavam o teatro fúnebre a lastimar a "perda irreparável". O caixão dos infantes era de cor branca, porque eles permaneciam puros e assim seriam recebidos no juízo final. Batuíra de tudo participava, obediente às tradições e respeitoso àqueles amigos que se solidarizavam ao casal.

 
A dado momento, no entanto, ele sente-se inquieto. Sua tristeza, refletindo no desânimo que se apossara dele, sofre um impacto. Batuíra levanta-se subitamente interrompendo seu interlocutor, dá alguns passos em uma direção, em outra, coça seus longos fios de barba, seus olhos, antes lacrimejantes, parecem vidrados no infinito e retira-se rapidamente da sala e entrando em um quarto. Meia hora mais tarde, sai do quarto e no ambiente onde estava o caixão demonstrava uma fisionomia diferente, não havia mais o ar sofrido e lamentoso do pai sofrido, agora transparecia um sentimento de paz. Ao sair daquele quarto ele disse para espanto de todos: "Não quero que ninguém mais chore aqui. Meu filhos não morreu. Meu querido filho continua vivo. Por isso não quero que chorem mais! Eu só quero alegria a partir desse instante."

 
Em seguida, para surpresa geral, Batuíra saiu e pouco depois voltou com uma banda, ao invés de tocar músicas fúnebres, passou a tocar marchas festivas. Que teria havido naquele quarto? Muito tempo depois Batuíra relataria apenas aos mais próximos os momentos gloriosos que passou entre aquelas quatro paredes: "Sentindo uma dor insuportável entrei disposto a qualquer coisa naquele quarto porque Deus tinha que dar uma resposta à minha dor e não sairia de lá enquanto Ele não me respondesse. Foi então que vi uma luz se formando que não era aquela do candeeiro e nem do crepúsculo que ainda penetrava pela janela...a luz foi se tornando diáfana, vaporosa e um vulto surge suavemente na minha frente.....meus olhos encheram-se de lágrimas, a emoção atingiu o mais alto grau que um ser humano poderia suportar e reconheci naquela sombra, Quinho, meu filho querido: - Pai não fique triste, disse-me ele. – Eu não morri, estou mais vivo do que nunca.- Seus lábios sorriam.... seu semblante era de tranquilidade e paz, em seguida suas mãozinhas acenaram pra mim, da mesma maneira que fazia quando se despedia em vida e sua imagem foi suavemente se apagando na tinta gasta da parede. Não sei quanto tempo duraram aqueles instantes e quanto tempo ali fiquei até derramar a última lágrima pela sua passagem para outra vida. Meu filho não morreu. Nós não morremos, essa é apenas uma etapa da vida verdadeira. Em algum lugar eu e o Quinho nos reencontraremos....

 
Vida e obra -  Despertado para a Doutrina Espírita procurou seguir os ensinamentos cristãos: praticava a caridade, consolava os aflitos, tratava de doentes e difundia os princípios espíritas. Sua casa era ao mesmo tempo farmácia, hospital, albergue, escola e asilo. Recolhia doentes e desamparados, infundindo-lhes a fé para suportarem as dificuldades da vida. Quem lá chegasse, fosse quem fosse, encontrava alimentação e abrigo. Comentava-se que "Batuíra vivia com um bando de aleijados". Através da mediunidade de cura auxiliou muitos necessitados, tanto física como espiritualmente, passando a ser chamado de "médico dos pobres".

Em 1889 passou a ser o agente exclusivo da revista "Reformador" da FEB, função que exerceu até 1900. No dia 6 de abril de 1890 restabeleceu o Grupo Espírita Verdade iniciando a divulgação do livro "O Evangelho Segundo o Espiritismo".  Adquiriu uma pequena tipografia destinada a divulgação do Espiritismo; fundou em 25 de maio de 1890 o jornal quinzenal "Verdade e Luz", órgão de divulgação do Espiritismo, que chegou a ter uma tiragem de 15.000 exemplares no ano de 1897. Consta-se que fundou vários centros espíritas em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Distribuía mensagens e folhetos impressos em sua tipografia e também livros espíritas.

Em outubro de 1904, Batuíra compareceu ao Congresso realizado no Rio de Janeiro, organizado pela FEB com mais de 2.000 participantes, onde houve a aprovação da "Tese Bases da Organização Espírita" tendo como meta a criação de uma entidade federativa em cada estado brasileiro. 
Ainda no ano de 1904, no mês dezembro, Batuíra lançou as bases da "Instituição Cristã Beneficente Verdade e Luz", com sede na rua particular (atual rua Espírita), incorporando à ela a tipografia e dois sítios localizados no Município de Santo Amaro, com o objetivo de prestar socorro e assistência aos órfãos, viúvas pobres, enfermos, obsediados e instrução às crianças.

A partir da ideia de cada estado ter sua federativa, em 24 de maio de 1908, Batuíra constituiu na capital paulista, a União Espírita do Estado de São Paulo, que funcionou por um certo período, mas serviu como exemplo e estímulo à fundação de entidades semelhantes em outros estados como, por exemplo, a União Espírita Mineira. Até setembro de 1908, utilizava NINGUÉM como pseudônimo nos artigos que escrevia e partir desta data passou a assinar como ALGUÉM, pois julgou que, somente agora, sua consciência lhe permitia ser alguém na Seara Espírita.

Batuíra casou-se duas vezes: a primeira com D. Brandina Maria de Jesus, com quem teve um filho, Joaquim, que veio a falecer depois de casado, e adotou um menino, Zeca, com poucos meses de idade, que foi o continuador de sua obra, após sua desencarnação; em segundas núpcias casou-se com D. Maria das Dores Coutinho e Silva, tendo com ela um filho, que faleceu aos doze anos de idade.

Desencarnou às 16h do dia 22 de janeiro de 1909.

(fadel-11/4/2012)

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