O Espírito Humberto de Campos, mais conhecido como Irmão X, disse ter encontrado Sócrates no Instituto Celeste de Pitágoras — nome convencional para figurar os centros de grandes reuniões espirituais no plano Invisível. Nesse dia, a reunião era dedicada a todos os estudiosos vindos da Terra longínqua. Depois de ouvir os sábios ensinamentos do Mestre, atreveu-se a abordá-lo.
"— Mestre — disse eu —, venho recentemente da Terra
distante, para onde encontro possibilidade de mandar o vosso pensamento.
Desejaríeis enviar para o mundo as vossas mensagens benevolentes e sábias?
— Seria inútil — respondeu-me bondosamente —, os homens da
Terra ainda não se reconheceram a si mesmos. Ainda são cidadãos da pátria, sem
serem irmãos entre si. Marcham uns contra os outros, ao som de músicas
guerreiras e sob a proteção de estandartes que os desunem, aniquilando-lhes os
mais nobres sentimentos de humanidade.
— Mas... — retorqui — lá no mundo há uma elite de filósofos
que se sentiriam orgulhosos de vos ouvir! ...
— Mesmo entre eles as nossas verdades não seriam
reconhecidas. Quase todos estão com o pensamento cristalizado no ataúde das
escolas. Para todos os espíritos, o progresso reside na experiência. A História
não vos fala do suicídio orgulhoso de Empédocles de Agrigento, nas lavas do
Etna, para proporcionar aos seus contemporâneos a falsa impressão de sua
ascensão para os céus? Quase todos os estudiosos da Terra são assim; o mal de
todos é o enfatuado convencimento de sabedoria. Nossas lições valem somente
como roteiro de coragem para cada um, nos grandes momentos da experiência
individual, quase sempre difícil e dolorosa.
Não crucificaram, por lá, o Filho de Deus, que lhes
oferecia a própria vida para que conhecessem e praticassem a Verdade? O pórtico
da pitonisa de Delfos está cheio de atualidade para o mundo. Nosso projeto de
difundir a felicidade na Terra só terá realização quando os Espíritos aí
encarnados deixarem de ser cidadãos para serem homens conscientes de si mesmos.
Os Estados e as Leis são invenções puramente humanas, justificáveis, em virtude
da heterogeneidade com respeito à posição evolutiva das criaturas; mas,
enquanto existirem, sobrará a certeza de que o homem não se descobriu a si
mesmo, para viver a existência espontânea e feliz, em comunhão com as
disposições divinas da natureza espiritual. A Humanidade está muito longe de
compreender essa fraternidade no campo sociológico.
Impressionado com essas respostas, continuei a
interrogá-lo:
— Apesar dos milênios decorridos, tendes a exprimir alguma
reflexão aos homens, quanto à reparação do erro que cometeram, condenando-vos à
morte?
— De modo algum. Méletos e outros acusadores estavam no
papel que lhes competia, e a ação que provocaram contra mim nos tribunais
atenienses só podia valorizar os princípios da filosofia do bem e da liberdade
que as vozes do Alto me inspiravam, para que eu fosse um dos colaboradores na
obra de quantos precederam, no Planeta, o pensamento e o exemplo vivo de
Jesus-Cristo. Se me condenaram à morte, os meus juízes estavam igualmente
condenados pela Natureza; e, até hoje, enquanto a criatura humana não se
descobrir a si mesma, os seus destinos e obras serão patrimônios da dor e da
morte.
— Poderíeis dizer algo sobre a obra dos vossos discípulos?
— Perfeitamente — respondeu-me o sábio ilustre —, é de
lamentar as observações mal-avisadas de Xenofonte, lamentando eu, igualmente,
que Platão, não obstante a sua coragem e o seu heroísmo, não haja representado
fielmente a minha palavra junto dos nossos contemporâneos e dos nossos
pósteros. A História admirou na sua Apologia
os discursos sábios e bem feitos, mas a minha palavra não entoaria ladainhas
laudatórias aos políticos da época e nem se desviaria- para as afirmações
dogmáticas no terreno metafísico. Vivi com a minha verdade para morrer com ela.
Louvo, todavia, a Antístenes, que falou com mais imparcialidade a meu respeito,
de minha personalidade que sempre se reconheceu insuficiente. Julgáveis então
que me abalançasse, nos últimos instantes da vida, a recomendações no sentido
de que se pagasse um galo a Esculápio? Semelhante expressão, a mim atribuída,
constitui a mais incompreensível das ironias.
— Mestre, e o mundo? — indaguei.
— O mundo atual é a semente do mundo paradisíaco do futuro.
Não tenhais pressa. Mergulhando-me no labirinto da História, parece-me que as
lutas de Atenas e Esparta, as glórias do Pártenon, os esplendores do século de
Péricles, são acontecimentos de há poucos dias; entretanto, soldados espartanos
e atenienses, censores, juízes, tribunais, monumentos políticos da cidade que
foi minha pátria, estão hoje reduzidos a um punhado de cinzas!... A nossa única
realidade é a vida do Espírito.
— Não vos tentaria alguma missão de amor na face do orbe
terrestre, dentro dos grandes objetivos da regeneração humana?
— Nossa tarefa, para que os homens se persuadam com
respeito à verdade, deve ser toda indireta. O homem terá de realizar-se
interiormente pelo trabalho perseverante, sem o que todo o esforço dos mestres
não passará do terreno do puro verbalismo.
E, como se estivesse concentrado em si mesmo, o grande
filósofo sentenciou:
— As criaturas humanas ainda não estão preparadas para o
amor e para a liberdade... Durante muitos anos, ainda, todos os discípulos da
Verdade terão de morrer muitas vezes!...
E enquanto o ilustre sábio ateniense se retirava do
recinto, junto de Anaxágoras, dei por terminada a preciosa e rara entrevista".
Fonte de Consulta
XAVIER, F. C. Crônicas
de Além-Túmulo, pelo Espírito Humberto de Campos. Rio de Janeiro: FEB,
1937. (Capítulo 25 — “Sócrates”)